De acordo com a pesquisa de maturidade em Compliance realizada pela KPMG (2021)1 , o pensamento de que “A empresa só tem a função de distribuir lucro”, é ultrapassado e não se coaduna com o atual contexto social e de mercado, pois “a empresa que assim se colocar, invariavelmente, não será capaz de sequer produzir lucro para distribuir”. De fato, o cenário empresarial tem passado por algumas transformações há algum tempo, iniciadas com a introdução de conceitos de governança corporativa, que impulsionaram a criação de estruturas internas de poder e fiscalização na empresa por meio da regulação do relacionamento entre as diversas partes interessadas. Em seguida, o ambiente corporativo se deparou com a “onda de compliance”, que ganhou força no Brasil após a publicação da Lei nº 12.846/2013, diante de inúmeros escândalos de corrupção que obrigaram muitas empresas a criarem mecanismos internos para a identificação, prevenção e mitigação de riscos por meio da implantação de um Programa de Integridade. Por fim, estamos “surfando” na onda ESG, termo que foi cunhado pela primeira vez em 2004, em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins, e que surgiu de uma provocação do então secretário-geral da ONU Kofi Annan a 50 CEOs de grandes instituições financeiras, sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais2 . Para se ter uma ideia da importância deste tema, segundo relatório da PwC (PricewaterhouseCoopers, mencionado em publicação do Pacto Global3 uma das maiores multinacionais de consultoria e auditoria do mundo), “até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos na Europa estarão em fundos que consideram os critérios ESG, o que representa US$ 8,9 trilhões, em relação a 15,1% no fim do ano passado. Além disso, 77% dos investidores institucionais pesquisados pela PwC4 , disseram que planejam parar de comprar produtos não ESG nos próximos dois anos.”
No Brasil, fundos ESG captaram R$ 2,5 bilhões em 2020 e passaram de R$ 3,1 bilhões para R$ 6,8 bilhões ao longo do ano, segundo levantamento feito pela Morningstar e pela Capital Reset5 . No mesmo ano, de acordo com o mesmo levantamento, pesquisas encomendadas pela corretora XP Investimentos, mostram que de 70% a 80% dos clientes tem a intenção de ter portfólios alinhados a fatores ambientais, sociais e de governança. Diante disso, a adoção de mecanismos e procedimentos que viabilizem a prevenção, detecção e remediação de condutas ilícitas, bem como alinhem a empresa com os critérios ESG, impulsionando a criação de uma cultura de integridade, pautada na ética e nos valores sociais básicos de respeito, integridade, transparência e sustentabilidade é questão de sobrevivência nos dias de hoje. Basta acompanhar os noticiários para chegarmos à inevitável conclusão da importância do tema para a reputação e a proteção do valor das empresas. O ano de 2023 está sendo marcado por grandes escândalos, como o “Caso Americanas”, que revelou rombo financeiro devido a falhas no sistema de controles contábeis, seguido de escândalo que trouxe à tona prática de trabalho análogo à escravidão por empresas terceirizadas vinculadas às grandes vinícolas brasileiras: Salton, Garibaldi e Autora. Ambas as situações poderiam ter sido evitadas com a efetiva utilização das ferramentas de compliance e ESG. A primeira, por meio da existência de controles contábeis e de fiscalização efetivos, que refletissem de forma adequada as informações financeiras da empresa. E a segunda, com um procedimento de Due Diligence mais aprofundado, capaz de identificar os riscos na contratação de terceiro não alinhado com os direitos humanos e trabalhistas. Uma simples visita aos locais de trabalho destes terceirizados, já seria suficiente para verificar a situação caótica em que laboravam e evitar o risco da contratação. O preço a se pagar é sempre alto e a prevenção se mostra o melhor caminho para evitar escândalos e prejuízos financeiros que devastam a reputação da empresa perante a sociedade e o mercado. De acordo com o professor Alexandre Di Miceli6 , o enfrentamento de crises pelo setor empresarial exige uma postura resiliente da empresa, sendo ela refletida emtrês grandes pilares: 1) aprendizado constante 2) senso de propósito, e 3) agir de forma ética. O aprendizado constante é a chave para acompanhar as transformações sociais, culturais e tecnológicas, bem como fazer as mudanças necessárias à adequação da cultura da empresa às novas exigências de mercado. Basta refletir sobre as três grandes ondas de transformações que acometeram o setor empresarial, já citadas no início do texto (1- Governança Corporativa; 2- Compliance; 3- ESG), para concluir que a empresa que não se dispor a aprender e evoluir constantemente está fadada ao fracasso. O senso de propósito é o que motiva a empresa a existir. Hoje, o consumidor está mais preocupado com a experiência que o produto pode proporcionar do que com a sua qualidade, propriamente dita. Ou seja, não basta o produto ser bom se a sua cadeia de produção não estiver alinhada com valores éticos e ambientais. Por fim, agir de forma ética exige um compromisso genuíno com fazer o que é certo para promover transformações reais, não só na empresa e seus colaboradores, como também na sociedade e meio ambiente. Gerar valor social para o mundo e para as futuras gerações é um compromisso inadiável que todos devemos assumir. O lucro é, sim, importante, mas jamais deve ser o principal objetivo, visto que se trata de resultado inevitável para uma empresa ética e resiliente no mercado atual, alinhada com as práticas de compliance e ESG.
Referências:
1Pesquisa Maturidade do Compliance no Brasil – KPMG 5ª edição (2021) Disponível em: https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/br/pdf/2021/07/KPMG-pesquisa-maturidade-compliance2021.pdf 2 Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg; 3 Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg; 4 PricewaterhouseCoopers, é um rede de firmas independentes e uma das maiores multinacionais de consultoria e auditoria do mundo, que estão presente em 158 territórios, com mais de 250 mil profissionais dedicados à prestação de serviços em auditoria e asseguração, consultoria tributária e societária, consultoria de negócios e assessoria em transações. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/PricewaterhouseCoopers
5 Disponível em: https://www.capitalreset.com/fundos-esg-captaram-ao-menos-r-25-bi-em-2020-nobrasil-o-que-esta-por-tras-do-numero/ 6 IBGC CONECTA – Empresas resilientes: sucesso no mundo pós Convid-19. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vdt4xk3QR1c&t=2558s. Acesso em 06-06-2020.
(Autora: Laís Pereira Debowski – Prado Advogados Associados) Advogada. Consultora em Compliance na Prado Advogados Associados. Vice-Presidente da Comissão de Estudos sobre Compliance da OAB/MT, membro do CWC – Compliance Woman Comitte. Certificada em Gerenciamento de Riscos com base na ISO 31000 – Tradius. Certificada em Sistemas de Gestão Antissuborno NBR ISO 37001 e de Compliance ISO 19600 – SAS Certificadora. Pós-Graduada em Direito Processual Civil, (Fundação Escola Superior do MP), em Direito Contratual e Responsabilidade Civil, (EBRADI). Curso de Compliance Anticorrupção pela LEC. Pós-Graduanda em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista (IEPREV). Ex-Servidora do MPE (Núcleo do Patrimônio Público e do TJ/MT (Câmara de Direito Público). Instagram: @laisdebowski_adv Linkedin: Laís Debowski